Desabafo e homenagem
O futebol português é uma tristeza. OK, eu sei que não descobri a pólvora, mas tinha de deixar aqui o meu desabafo. O motivo mais recente para a minha indignação aconteceu ontem, quinta-feira. Como é possível que nenhum canal televisivo tenha transmitido em directo o V. Guimarães-Bolton, da fase de grupos da Taça UEFA?

No futebol passa-se o mesmo. Ontem o jogo do V. Guimarães era claramente de interesse público, ainda para mais sendo a equipa de Jaime Pacheco o único representante português na Taça UEFA. Vendo as coisas por baixo, no mínimo o Vitória é um contribuinte para o ranking português na UEFA. Nenhuma TV achou interessante transmitir o jogo. Por outro lado, os jogos do Benfica na pré-época, frente a equipas da 8ª divisão suiça merecem transmissão directa. Este é um exemplo de falta de interesse público: não há nada em disputa, há muitas substituições e as equipas utilizadas normalmente nem são as previsivelmente titulares, muitas vezes nem sequer os árbitros são a sério. No entanto, reconheço que provavelmente um Etoile Carouge-Benfica amigável tem mais telespectadores que um Guimarães-Bolton para a Taça UEFA. Mas não deixa de ser estranho, num dos países que mais jogos do campeonato transmite na TV (cinco em cada jornada, em nove possíveis), nenhum canal ter transmitido o jogo de ontem. E eu pergunto: será que um Boavista-U. Leiria ou um Belenenses-Marítimo tem mais audiência que um V. Guimarães-Bolton? Tenho dúvidas.
O problema não é só das TV’s, estende-se aos outros órgãos. Por exemplo, pegando nos dois jornais desportivos de Lisboa (de forma um pouco mais acentuada na Bola), o processo de escolha para uma manchete é mais ou menos o seguinte: 1) Arranjar alguma coisa de interessante do Benfica; 2) se não houver algo de interessante sobre o Benfica, tenta arranjar-se algo menos interessante sobre o mesmo clube; 3) se mesmo assim não for possível, tenta arranjar-se qualquer coisa interessante sobre o Sporting; 4) se não existir, procura-se um fait-divers sobre o Benfica e aí surgem os penteados de certos jogadores, os álbuns de família de outros... Só depois destas opções é que se pensa em fazer manchete com o FC Porto. Os outros clubes, bem podem esperar deitados.

Esta semana Jesualdo Ferreira foi questionado, pela milhonésima vez, sobre a candidatura ao título do Sp. Braga. A resposta do professor foi mais ou menos a seguinte: “Eu sei que para vocês seria interessante eu assumir isso. Mas de que me serviria, sabendo que vocês nos iriam tratar de forma diferente da que tratam os candidatos habituais?”. Tem toda a razão Jesualdo. Seria interessante comparar as manchetes dos desportivos na época 2000/01, em que o Boavista foi campeão e o Benfica acabou em 6º lugar.
No entanto, penso que a culpa deste estado de coisas não é só dos jornalistas. Os adeptos têm muitas responsabilidades. Eu, por exemplo, nasci e vivo em Setúbal, mas tenho uma simpatia apenas moderada pelo Vitória. Nem sequer é o meu segundo clube, apesar de ser sócio há mais de 20 anos. E quando se pergunta a uma criança de que clube é, primeiro pergunta-se se é do Benfica, do Sporting ou do Porto e só depois do Vitória. O mesmo se deve passar na maior parte das cidades do país. Mas mais grave, para mim, são aqueles adeptos desses clubes mais pequenos, que depois torcem por um dos grandes em segundo lugar. Ou seja, são do Vitória (ou outro clube de dimensão idêntica ou menor), mas contentam-se em lutar por objectivos modestos (manutenção, de vez em quando a Europa) e depois torcem por um dos grandes para a luta pelo título. E se o grande da sua preferência derrotar o seu clube não ficam propriamente tristes. Daí que seja complicado, quase impossível mesmo, qualquer clube chegar ao patamar dos três grandes, tirando uma ou outra época excepcional.
Dou um exemplo para mostrar que noutros países as coisas são diferentes. Eu sempre me interessei muito pelo futebol alemão e tenho uma grande paixão pelo Eintracht Frankfurt. Sendo um histórico da Bundesliga, o Eintracht tem sido na última década um clube que tem oscilado entre a 1ª e a 2ª divisões. Uma espécie de Vitória de Setúbal, portanto, descontando o triunfo na Taça e as duas participações europeias recentes dos sadinos. Mas eu acompanho o dia-a-dia do Eintracht, leio muitas opiniões em fórums, já assisti inclusive a jogos ao vivo e sei que os seus adeptos só pensam no Eintracht e não têm qualquer espécie de simpatia pelo Bayern, pelo Bremen, pelo Hamburg, etc. Por isso o Eintracht tem uma média de espectadores em casa de 45.000, num estádio para 50.000. Em Portugal, hoje em dia e tirando os três grandes, só o Guimarães e o Braga conseguem passar dos 10 mil em alguns jogos. Nem Belenenses, nem Boavista, nem V. Setúbal, nem Académica, para só falar em clubes históricos, chegam lá perto.

O último parágrafo é dedicado a um imortal do futebol, que hoje morreu fisicamente: George Best. Dos jogadores que nunca vi jogar ao vivo ou em directo, apenas assisti a alguns resumos na TV, Best só tem um rival no meu imaginário: Mané Garrincha. Curiosamente, duas figuras muito semelhantes: ambos extremos-direitos, ambos mágicos, ambos arruinados por causa do álcool. A grande diferença é que Garrincha teve a sorte de fazer parte do fabuloso escrete e Best a desgraça de ser norte-irlandês. Por isso fizeram carreiras bastante diferentes a nível de selecções. Muita gente recorda as “maldades” que Best fez ao Benfica em 1966 (vitória por 5-1 na Luz), em 1968 (4-1 em Wembley na final da Taça dos Campeões), ao serviço do Manchester United. Eu acrescento com agrado a “maldade” que o Sporting lhe fez em 1964, quando despachou o United da Taça das Taças com 5-0 em Alvalade, com Best em campo. A morte física de Best é, desculpem a frieza, um pormenor (excepto, claro, para a família e amigos). Porque aquilo que fez nos relvados garantem-lhe a imortalidade, como a qualquer artista de génio superior.