12 novembro, 2005

Grandes antes de tempo

Johann Georg Elser é um nome desconhecido para quase toda a humanidade. Mas este cidadão alemão esteve a poucos minutos, 13 para ser mais preciso, de se transformar num herói para (quase) toda a humanidade. Depois de longos meses de trabalho, Elser tinha preparado para o dia 8 de Novembro de 1939 (fez agora 66 anos, portanto), um atentado para acabar com a vida de Adolf Hitler, que pouco antes tinha ordenado a invasão da Polónia, começando assim a II Guerra Mundial. Nesse dia, o detentor do bigode mais ridículo da História tinha agendado um discurso em Munique. O discurso realizou-se mesmo, mas sabe-se que o tempo na Alemanha, principalmente nesta altura do ano, não é grande espingarda. Daí que o pintor frustrado, que acabou a ganhar (e a perder) a vida como ditador, tenha resolvido terminar a sua intervenção às 21h07. A bomba colocada por Elser explodiu à hora prevista, 21h20. A essa hora já o Adolfo ia a caminho de Berlim. Elser acabou por ser apanhado junto à fronteira com a Suiça e veio a apodrecer em Dachau, onde morreu em 1945.

Esta introdução serve para demonstrar que, muitas vezes, a fama e a obscuridade, a glória e a desgraça, a riqueza e a pobreza, devem-se a acasos, a sortes e azares que não se podem controlar. O mesmo se passa no futebol. Uma das minhas maiores tristezas enquanto sportinguista é o meu clube nunca ter sido campeão europeu, ao contrário dos seus dois rivais históricos. E ninguém me tira a convicção de que só não conseguimos isso por azar. Mais concretamente, pelo azar de termos sido grandes antes de tempo. Como toda a gente sabe, a melhor equipa da História do Sporting foi a dos Cinco Violinos, que jogaram juntos entre 1946 e 1949. Nessas épocas o Sporting ganhou os três campeonatos disputados e uma Taça de Portugal. Noutra época a Taça não se disputou e noutra o Sporting cometeu a proeza de ser eliminado pelo Tirsense, então na III Divisão. Foi a sempre existente excepção à regra. Nessa altura, aliás, a pergunta que se fazia não era “Quem vai ganhar?”, mas sim “Por quantos vai ganhar o Sporting?”.

Mas faltou algo ao Sporting para um grande reconhecimento internacional: um título europeu. Por uma razão simples, não havia competições europeias. A Taça dos Campeões, a primeira a surgir, só nasceu em 1955. Aliás, a prova de que o Sporting era o clube português mais prestigiado na altura é que foi convidado para ser o primeiro representante luso na competição, quando o campeão era o Benfica. Só que, então, os leões já eram uma equipa em quebra e dos cinco violinos só restavam dois, Vasques e Travassos. Daí que o Sporting tivesse sido eliminado logo à primeira, pelo Partizan Belgrado. Daí que nunca saberemos se o Sporting dos Violinos era ou não a melhor ou das melhores equipas europeias. Apenas alguns jogos particulares deixam antever isso. Ficaram famosas as vitórias sobre o Lille, campeão francês, por 8-2 e sobre o Atlético Madrid, campeão espanhol, por 6-3, na capital do país vizinho.

Hoje em dia todos sabemos citar de cor os maiores clubes europeus e os maiores de cada país. Mas há alguns clubes que, tal como Elser, tiveram azar temporal e hoje caíram na obscuridade ou, pelo menos, já não têm a aura de outros tempos. Nesta posta vou recordar alguns desses clubes, em forma de homenagem singela (como fica sempre bem dizer).

Espanha:

Athletic Club de Bilbao: Foi o primeiro dominador do futebol espanhol, vencendo quatro dos primeiros oito campeonatos, nos anos 30. Foi até hoje oito vezes campeão nacional (30, 31, 34, 36, 43, 56, 83 e 84). Mais só Real Madrid, Barcelona e Atlético de Madrid. E, com os dois primeiros, é um dos três clubes totalistas na I Divisão espanhola! Venceu ainda a Taça de Espanha em 23 ocasiões, menos uma que o Barcelona e mais que o Real Madrid (03, 04, 10, 11, 14, 15, 16, 21, 23, 30, 31, 32, 33, 43, 44, 45, 50, 55, 56, 58, 69, 73 e 84). Nas provas europeias, o melhor que os bascos conseguiram foi chegar à final da Taça UEFA em 76/77, perdendo a final para a Juventus (2-1, 0-1). Hoje em dia os “Leones de San Mamés” andam longe dos títulos, muito por culpa da sua política: só jogadores nascidos no País Basco podem vestir a camisola do clube.

Itália:

Genoa CFC 1893: Foi o primeiro grande clube italiano, vencendo seis dos primeiros sete campeonatos. Ainda hoje é o quarto clube com mais títulos de campeão transalpino, a seguir aos gigantes Juventus, Milan e Inter. Ao todo, o Genoa conquistou nove campeonatos (1898, 1899, 1900, 1902, 1903, 1904, 1915, 1923 e 1924) e uma Taça de Itália (1937). Ou seja, tudo muito antes do aparecimento das competições europeias, nas quais só veio a participar uma vez. Desde 1994/95 que não participa na Serie A. Na época passada, o Genoa foi campeão da Serie B, mas problemas financeiros atiraram o clube para a Serie C1, o terceiro escalão do futebol italiano.

Torino Calcio: Um dos clubes mais lendários do futebol italiano. Foi sete vezes campeão e dominou o Calcio nos anos 40 (1928, 1943, 1946, 1947, 1948, 1949, 1976). Venceu a Taça em cinco ocasiões (1936, 1943, 1968, 1971, 1993). Participou apenas numa final europeia, a da Taça UEFA em 91/92, perdendo para o Ajax devido à regra dos golos fora (2-2, 0-0). Em 1949 viu a sua época de ouro terminada da forma mais brutal. Depois de um jogo particular em Lisboa com o Benfica, o avião que transportava a equipa colidiu com a colina de Superga, já em Turim, e 18 jogadores perderam a vida, bem como a equipa técnica e alguns dirigentes. E o Torino nunca mais foi o mesmo, só festejando mais um título, 27 anos depois. Hoje está na Serie B, depois de ter sido recusado o regresso à Serie A, devido a problemas financeiros.

Bologna FC: Foi um dos grandes do Calcio até aos anos 40. Conquistou sete títulos de campeão (25, 29, 36, 37, 39, 41 e 64) e duas Taças (70 e 74). Tem algumas presenças nas competições europeias, mas sem proezas de registo. Esta época regressou à Serie B, depois de alguns anos no escalão mais alto do futebol italiano.

US Pro Vercelli Calcio: Clube completamente desconhecido da maioria dos adeptos de futebol, foi o segundo dominador do Calcio a seguir ao Genoa. Foi campeão sete vezes (1908, 1909, 1911, 1912, 1913, 1921 e 1922). Praticamente desapareceu do mapa, pois a última época em que participou na Serie A foi em 1934/35! Hoje joga na Serie C2, a quarta divisão do futebol transalpino.

Inglaterra:

Sunderland AFC: Foi um dos primeiros campeões ingleses e conquistou até hoje seis títulos, salomonicamente divididos entre os séculos XIX e XX (1892, 1893, 1895, 1902, 1913 e 1936). Venceu a FA Cup em duas ocasiões (1937 e 1973). Nos últimos anos tem sido o chamado “Clube Elevador”, com subidas e descidas constantes entre os dois maiores campeonatos ingleses. Apenas conseguiu uma participação nas provas europeias, na Taça das Taças de 1973/74, onde foi eliminado pelo Sporting.

Alemanha:

1.FC Nürnberg: Foi o primeiro clube a dominar um período do futebol alemão, nomeadamente os anos 20. Ainda hoje é o segundo clube teutónico com maior número de campeonatos ganhos, só ultrapassado pelo inevitável Bayern. Nove vezes campeão (20, 21, 24, 25, 27, 36, 48, 61 e 68), o Nürnberg venceu ainda três Taças da Alemanha (35, 39 e 62). Nas provas europeias apenas participou quatro vezes, sem grande sucesso. Hoje, o clube da cidade do julgamento mais famoso da História da Humanidade, está na 1.Bundesliga, mas em situação periclitante, prevendo-se que nos próximos anos continue num sobe-e-desce constante.

FC Schalke 04: Depois do Nürnberg nos anos 20, o Schalke 04 assumiu-se como maior clube alemão dos anos 30 e início de 40. Nesse período conquistou o clube de Gelsenkirchen seis dos seus sete campeonatos (34, 35, 37, 39, 40, 42 e 58). Dos clubes que referi, até ao momento, o Schalke é aquele que parece querer levantar-se mais rapidamente. Nos últimos anos ganhou duas das suas quatro Taças (1937, 1972, 2001 e 2002). Além disso, depois de muitos anos obscuros nas provas europeias, o Schalke conseguiu vencer a Taça UEFA em 1997, derrotando o Inter na final (1-0, 0-1, 4-1 g.p.). E hoje em dia participa na Liga dos Campeões.

Holanda:

HVV Den Haag: Com oito títulos conquistados (1900, 1901, 1902, 1903, 1905, 1907, 1910 e 1914), só é ultrapassado no ranking do campeonato holandês pelos três grandes, Ajax, PSV e Feyenoord. O HVV venceu ainda a Taça em 1903. Não foi possível encontrar o rasto deste clube na actualidade, pelo que pode ter sido extinguido ou ter-se fundido com outro(s) clube(s).

Sparta Rotterdam: Roterdão, a maior cidade holandesa, teve um grande clube antes do Feyenoord. O Sparta brilhou sobretudo na segunda década do século XX, onde venceu cinco dos seus seis campeonatos nacionais (1909, 1911, 1912, 1913, 1915 e 1959). A este palmarés, o Sparta junta ainda três Taças da Holanda (1958, 1962 e 1966). Nos últimos (longos) anos, este clube histórico tem andado num sobe-e-desce entre os dois principais campeonatos holandeses. Esta época disputa a I Divisão.

Bélgica:

Royale Union Saint-Gilloise: Mais um clube desconhecido da generalidade dos amantes de futebol actuais, é o terceiro maior clube belga, a seguir a Anderlecht e Club Brugge, com 11 títulos conquistados (1904, 1905, 1906, 1907, 1909, 1910, 1913, 1923, 1933, 1934 e 1935). A Union ganhou ainda duas Taças (1913 e 1914). Desde 1973 que não sabe o que é jogar na I Divisão e desde então tem oscilado entre a II (onde joga actualmente) e a IV Divisão belgas.


Nota: Mais alguns clubes mereceriam destaque, mas, para o texto não ficar demasiado longo, optei por nomear apenas clubes dos dez primeiros países do actual ranking da UEFA e que tenham conquistado pelo menos cinco campeonatos nacionais.

4 Comments:

At 3:59 da tarde, Blogger Tiago Gonçalves said...

Grande,grande post. Em Portugal o Vitória de Setúbal de Pedroto também esteve perto do título, para além das participações honrosas nas competições europeias nos anos 60 e vitórias em torneios prestigiados.

 
At 4:54 da tarde, Blogger José Cavra said...

e porque não os Boston Celtics no campeonato da NBA? ou até mesmo os Knicks de New York q são a unica equipa em 2005 so com derrotas?

agora a serio, Jorge é um regalo ler os teus posts. mtos parabéns.
pena escreveres pouco. nao da para aumentar?

 
At 7:15 da tarde, Blogger André S. Machado said...

Cavra man...
Qualidade em detrimento de Quantidade man!
O Jorge é um abnegado e mesmo que escreva só uma frase, com certeza, essa frase ficará na história do pós-modernismo.

 
At 2:11 da tarde, Blogger Jota said...

Caro Solteirão, o critério para a escolha dos clubes referidos foi o de terem vivido os seus grandes momentos antes da existência das competições europeias. O Saint-Etiénne (por acaso o meu clube francês preferido), esteve em grande nos anos 60 e 70, logo teve a hipótese de brilhar na UEFA (ainda chegou à final da Taça dos Campeões). Quanto ao Nottingham Forest, hoje em dia na III Divisão inglesa, cometeu a proeza de ser mais vezes campeão europeu (2) que inglês (1)! A nível de selecções, é certo que a Hungria já foi grande, nos anos 50, tal como a Áustria, nos 30. Mas aí já havia Mundiais, se não aproveitaram foi porque não souberam :-)

Mas eu espero em postas futuras voltar ao tema de gigantes que já foram e já não são, um tema que me apaixona no mundo do futebol.

 

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