22 março, 2006

Jogos Eternos: Real Madrid 7-3 Eintracht Frankfurt

Diz-se que um jogo de futebol dura 90 minutos (ou 120, se for necessário recorrer a um prolongamento). Pois bem, essa não é uma verdade absoluta. Há jogos que não terminam nunca. São aqueles jogos que ficam na História, que quem assistiu nunca há-de esquecer, que quem não assistiu daria tudo para poder ter lá estado. Tivemos alguns casos desses no nosso futebol. Quem não se recorda (com maior ou menor vontade) de um Sporting 7-1 Benfica, um Sporting 3-6 Benfica, um Benfica 0-5 FC Porto, um Vitória de Setúbal 5-2 Benfica? Neste blog vou tentar recordar e resumir alguns desses jogos que merecem capítulos especiais na grande História do futebol.

Para iniciar a série escolhi um jogo que foi para muitos o melhor jogo do século XX. No mínimo, terá sido a melhor final de sempre da Taça dos Campeões Europeus. Realizou-se a 18 de Maio de 1960, no Hampden Park, de Glasgow, e colocou frente a frente o tetracampeão europeu, o Real Madrid, frente ao campeão alemão, o Eintracht Frankfurt. Perante 127.621 espectadores, a maior assistência de sempre na prova, os espanhóis conquistaram o seu quinto título europeu consecutivo. O resultado foi um fantástico 7-3 e, apesar de o jogo ter ficado decidido no início da segunda parte, ninguém foi capaz de abandonar o estádio antes do apito final, tal era a qualidade do futebol apresentado pelas duas equipas.

Quem tem pachorra para ler os meus posts conhece o meu sportinguismo. Mas o Eintracht ocupa praticamente tanto espaço no meu coração como o clube de Alvalade, apesar de ter o encarnado no equipamento e de ter como símbolo uma águia (!). Tudo começou no início dos anos 90, quando o Eintracht lutava pelo título da Bundesliga e praticava o melhor futebol da Alemanha, apelidado de “Fußball 2000”, tal a espectacularidade que apresentava. O título esteve quase a aparecer em 1992, mas uma arbitragem deplorável na última jornada, em Rostock, deu o campeonato ao Estugarda. Até o árbitro veio mais tarde reconhecer que tinha prejudicado decisivamente o Eintracht. As semelhanças entre o Eintracht e o Sporting da época (futebol muito bonito e ofensivo, zero títulos) levou-me imediatamente a simpatizar com o clube de Frankfurt. Depois veio a decadência, iniciada em 1994/95 com a inestimável ajuda do então treinador Jupp Heynckes e culminada com a primeira descida de divisão da história do clube, na época seguinte. A partir daí o clube entrou num sobe e desce constante e só agora parece reencontrar o caminho da estabilidade e, quem sabe, do regresso às grandes lutas do futebol alemão.

Regressando ao tema do post, o Real Madrid participou na edição 1959/60 da Taça dos Campeões como (tetra)detentor do troféu, já que o título nacional tinha fugido para o Barcelona nas duas épocas anteriores. Nas quatro finais anteriores, os merengues foram vencendo o Stade Reims (França), por 4-3, a Fiorentina (Itália), por 2-0, o AC Milan (Itália), por 3-2, e novamente o Stade Reims, agora por 2-0. Já o Eintracht, que era a primeira equipa alemã a chegar a uma final europeia, entrou na prova depois de na temporada anterior ter conquistado o seu primeiro (e único, até hoje) campeonato nacional. Na final, as “águias” tinham derrotado o seu grande rival Kickers Offenbach por 5-3, após prolongamento.

Na primeira ronda da competição, o Real Madrid ficou isento, uma benesse alcançada por ser o campeão em título. Ao Eintracht caberia defrontar o Kuopio PS. Mas o campeão finlandês resolveu desistir da prova antes de ela começar, pelo que os alemães seguiram em frente sem calçar as chuteiras. Na segunda eliminatória, correspondente aos oitavos-de-final, os espanhóis encontraram uma pêra doce, o Jeunesse D’Esch, do Luxemburgo. As vitórias por 7-0 e 5-2 mostram a facilidade da vida merengue. O Eintracht teve de se haver com o campeão suíço, o Young Boys. Os alemães resolveram a eliminatória em Berna, ao vencer por 4-1. O 1-1 de Frankfurt confirmou o que já se sabia. Nos quartos-de-final, o Real teve pela frente o Nice, então campeão francês. Os espanhóis ainda perderam na Riviera Francesa por 2-3, mas resolveram o assunto em casa, com um 4-0 peremptório. A equipa de Frankfurt encontrou o campeão austríaco, o Wiener SC. Foi um duelo equilibrado, com os alemães a levarem a melhor com uma vitória caseira por 2-1 e um empate 1-1 em Viena.

Nas meias-finais, o Real Madrid teve de defrontar o seu grande rival Barcelona, então campeão espanhol. Esperava-se uma grande batalha, mas os merengues acabaram por não sentir muitos problemas para deixar pelo caminho o inimigo catalão. Duas vitórias por 3-1 serviram de vingança pelo facto de o Barça ter voltado nesse ano a sagrar-se campeão espanhol, com uma escassa vantagem de dois... golos sobre os madridistas. O outro confronto opunha o Eintracht ao campeão escocês Glasgow Rangers. Toda a Grã-Bretanha, confiante na superioridade do seu futebol, esperava uma tarefa fácil para os escoceses. Mas tudo ficou decidido na primeira mão, no Waldstadion de Frankfurt: 6-1 para o campeão alemão. Ficou na lenda o telefonema de um jornalista escocês para a sua redacção, perto do fim do jogo: “5-1! Yes! No, not for the Rangers! Eintracht, 5 - Rangers, 1... Oh, no! Eintracht, 6 - Rangers, 1!” Mesmo com semelhante desvantagem, os escoceses encheram o Ibrox Park para a segunda mão, talvez para confirmar se a qualidade do Eintracht correspondia ao que tinham lido do primeiro jogo. Pois bem, os alemães não os quiseram desiludir e aplicaram novo correctivo ao Rangers: vitória por 6-3.

E foi Glasgow que teve a honra da grande final. Desta vez não o Ibrox, mas sim o Hampden Park, o estádio nacional escocês. Quase 130 mil espectadores tiveram o privilégio de assistir a um espectáculo único. O Eintracht começou melhor e dominou os primeiros 25 minutos. E foi sem surpresa que inaugurou o marcador aos 18 minutos, por Kreß. O 2-0 esteve à vista, mas foi o Real a chegar ao empate aos 27 minutos, por Di Stefano. O argentino-espanhol aproveitou o choque alemão e fez o 2-1 dois minutos depois. Quando o resultado ao intervalo parecia feito, Puskas fez o 3-1 em cima do apito e mostrou o que estava para vir na segunda parte. O Major Galopante marcou mais três golos consecutivos e decidiu o encontro. O 4-1 surgiu aos 56, na marcação de uma grande penalidade duvidosa. Mais dois golos aos 60 e 70 minutos e o húngaro fechou a sua loja. Com 6-1 no marcador, o Eintracht não desanimou e dedicou-se a aproveitar a oportunidade de estar naquele palco. Aos 72 minutos, Stein reduziu para 2-6. No minuto seguinte Di Stefano fez o seu terceiro golo e aumentou para 7-2. Mais dois minutos passaram e Stein bisou. Até final muitas mais oportunidades houve, para ambos os lados, impedindo os espectadores de irem mais cedo para casa. Mas o 7-3 manteve-se, honrando vencedores e vencidos. Não foi a final mais imprevisível de sempre, mas foi seguramente a mais bem jogada. Bobby Charlton resumiu assim o desafio: “O meu primeiro pensamento foi que este jogo era uma mentira, um filme, porque estes jogadores fizeram coisas que não são possíveis, não são reais, não são humanas!”

Ficha do jogo:

Local: Hampden Park, Glasgow.
Espectadores: 127.621.
Árbitro: A. Mowat, Escócia.

Real Madrid: Dominguez; Marquitos e Pachin; Vidal, Santamaria e Zarraga; Canario, Del Sol, Di Stefano, Puskas e Gento.

Eintracht Frankfurt: Loy; Lutz e Höfer; Weilbächer, Eigenbrodt e Stinka; Kreß, Lindner, Stein, Pfaff e Meier.

Golos: 0-1, Kreß (18m); 1-1, Di Stefano (27m); 2-1, Di Stefano (29m); 3-1, Puskas (45m); 4-1, Puskas (56m, g.p.); 5-1, Puskas (60m); 6-1, Puskas (70m); 6-2, Stein (72m); 7-2, Di Stefano (73m); 7-3, Stein (75m).

8 Comments:

At 7:29 da tarde, Blogger Tiago Gonçalves said...

Simplesmente fantástico o post. Jorge, tu estás para este blog como o Maradona estava para o Nápoles ou para a Argentina de 86.
É mais uma iniciativa que pretende agradar aos nossos leitores que tantas palavras simpáticas nos endereçam.

 
At 8:44 da tarde, Blogger José Cavra said...

Assino por baixo.
mal posso esperar pelo próximo jogo eterno.
So nao entendo o pk dos 5-2 do Setubal ao Benfica... se fôr assim teremos q focar os 4-0 do Penafiel ao SCP em 88, os 0-4 do Nacional no Dragão...

 
At 12:11 da manhã, Blogger Jota said...

Cavra, pá, só meti o Vitória-Benfica por duas razões. Primeiro porque estive lá, ainda por cima, sendo sócio vitoriano, a minha bancada foi invadida por lampiões, o que deu ainda mais prazer à... desmontagem, digamos assim :-) Em Penafiel não estive, mas lembro-me de bem de ouvir o relato e ficar em estado de choque. Segundo porque no jogo do Bonfim houve duas equipas em campo, foi um jogo fabuloso, embora o Vitória, com um mágico Yekini (Jaquim prós amigos) tenha sido claramente superior. Em Penafiel só a equipa da casa jogou, o Sporting deve ter ido visitar as caves do Douro...

 
At 8:06 da tarde, Blogger Antão Bordoada said...

Um par de sugestões para futuros jogos: o jogo que (creio eu) ainda detém o recorde de empate com números mais altos do campeonato espanhol (um Atlético Madrid- qualquer coisa nos tempos do grande Ben Barek, que acabou 5-5) e o jogo do mundial de 54 que eliminou os anfitriões, contra os seus grandes rivais regionais. Vão lá ver o resultado e digam-me que não tenho razão...

 
At 1:22 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Werder Bremen 5 x 3 Anderlecht, com os belgas a vencer por 0-3 ao intervalo, e os alemães a marcarem os 5 golos nos últimos 25min do jogo.

 
At 6:26 da tarde, Blogger José Cavra said...

E que tal os 4-1 que o demolidor Farense de HAdjry e Punisic deram ao Benfica de Artur Jorge?!

 
At 9:51 da tarde, Anonymous Anónimo said...

lembro-me de um VFC-Porto 4-4 (não sei que ano) com um grande golo do Aparicio...

 
At 11:23 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Benfica 12-2 Porto É a maior goleada entre "derbys"

 

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