O holandês holandês e o holandês italiano
Um dos grandes motivos de interesse da Liga portuguesa desta época tem sido o confronto entre dois treinadores holandeses, no comando dos dois principais candidatos ao título. Ao FC Porto chegou Co Adriaanse, que, com quase 60 anos e com trabalho realizado no Ajax, ainda não conquistou qualquer título na sua carreira. Os “highlights” do seu currículo são os bons trabalhos realizados em clubes de menor dimensão, como o Willem II e o AZ Alkmaar. Para o Benfica veio Ronald Koeman, mais jovem e com uma brilhante carreira enquanto jogador. Como técnico, o ex-central do Barcelona, mesmo com menos tempo de experiência, pode gabar-se de já ter ganho alguns troféus, ao serviço do Ajax. No entanto, segundo me foi revelado há poucos meses por um adepto do clube de Amesterdão, nem um nem outro são considerados na Holanda como treinadores de topo. Não obstante, conhecendo a intrínseca espectacularidade associada ao futebol holandês, a vinda para Portugal destes dois treinadores despertou muita expectativa. E que balanço se pode fazer das suas obras até agora, decorridos cerca de ¾ da temporada?
Desde logo, Co Adriaanse começou por entusiasmar os adeptos do FC Porto (e não só), ao montar uma equipa virada para o ataque e para o espectáculo. O 4x3x3 foi a sua primeira táctica de eleição. Na pré-temporada e nos primeiros jogos oficiais tudo parecia correr sobre rodas e, até pelos deslizes dos rivais, tudo apontava para uma vitória fácil dos dragões na Liga Betadine. Mas tudo se complicou com o aparecimento dos primeiros jogos difíceis. Na Liga dos Campeões, por exemplo. O FC Porto começou por defrontar Glasgow Rangers fora e Artmedia Bratislava em casa, os dois rivais mais fracos do grupo. Em ambos os jogos os azuis-e-brancos realizaram exibições de aparente boa qualidade, em ambos perderam por 2-3. Derrotas à moda de Peseiro, diria eu. Curiosamente, no único jogo em que o FC Porto apresentou um esquema mais conservador, venceu o Inter, por 2-0. Mas os maus resultados nos jogos grandes continuavam, até na Liga: derrota por 0-2 com o Benfica e empate 1-1 com o Sporting, ambos no Dragão.
Depois da “pausa de Inverno” e consumada a eliminação das provas europeias, Adriaanse mudou o esquema de jogo. Começou a aplicar um (este sim, tipicamente holandês) 3x3x4. Apesar do espírito ofensivo patente, nas primeiras sete jornadas da segunda volta, apenas num jogo (no Restelo), os dragões conseguiram marcar mais que um golo. No entanto, ao contrário do que seria de esperar, a defesa azul-e-branca, normalmente comandada por Pepe, tem dado conta do recado e dado poucas abébias às equipas rivais. Em termos gerais, o esquema ainda não pode ser considerado um estrondoso sucesso, visto que nos jogos mais difíceis, com Sp. Braga em casa e Benfica fora, o dragão apenas conseguiu um ponto. Na jornada passada, pela primeira vez, o FC Porto conseguiu uma vitória convincente, um 3-0 perante um Nacional estranhamente disposto a jogar o jogo pelo jogo, depois da atitude que apresentou na Luz (duas vezes) e em Alvalade.
Ronald Koeman, por seu lado, não conseguiu entusiasmar os adeptos logo à partida. Aliás, continua sem o fazer hoje. O treinador com o castelhano mais correcto da nossa Liga tentou, nas primeiras jornadas, impor um 3x4x3 típico dos Países Baixos, mas os resultados (derrotas com Gil Vicente e Sporting) fizeram-no recuar. Koeman regressou, então, ao mais prosaico 4x2x3x1, que já fizera escola com Camacho e Trapattoni. Mesmo assim, o holandês não convenceu os adeptos encarnados, que o iam acusando de “inventar” na escolha de equipa, colocando jogadores fora das suas posições e insistindo noutros (leia-se Beto) que poucos sentimentos positivos despertam no público da Luz. A irregularidade tem sido uma constante no Benfica desta época. Na Liga dos Campeões, por exemplo, depois de ganhar o primeiro jogo, ao Lille, em período de descontos, os encarnados não venceram nenhum dos quatro jogos seguintes. Na última jornada, em casa, frente ao Manchester United, só a vitória dava o apuramento e ela foi conseguida, por 2-1. O Benfica somou oito pontos, que, ao contrário do que acontece normalmente, desta vez chegaram para o apuramento.
A vitória sobre o United deu início ao melhor período do Benfica na temporada, com nove vitórias consecutivas (sete para a Liga, uma para a Taça e outra para a Champions), algumas delas com muito sofrimento e nem sempre acompanhadas por bom futebol. Quando tudo parecia correr bem, veio o Sporting. O Benfica tinha toda a motivação para vencer, não só para poder aproximar-se do FC Porto como para afastar o Sporting de vez da luta pelo título. Em vez disso, derrota por 1-3 e subjugação total ao adversário. Seguiram-se derrotas em Leiria e Guimarães. Quando o céu parecia ir cair sobre as cabeças benfiquistas, vieram o Liverpool e o FC Porto. E três vitórias encarnadas, duas garantindo o acesso aos quartos-de-final da Liga dos Campeões e outra a continuação na disputa pelo título da Liga.
Analisando a carreira do Benfica, é fácil encontrar um padrão. A equipa de Ronald Koeman sente-se particularmente confortável nos jogos em que não tem de assumir o comando das operações. Se tiver de dar o domínio ao adversário, fantástico, se tiver de jogar taco-a-taco, tudo bem na mesma. Foi assim que o Benfica venceu o Manchester United, empatou em Villarreal, venceu o FC Porto e o Liverpool por duas vezes. Curiosamente, nem se pode dizer que os encarnados estão talhados para o contra-ataque, visto que nem sequer incomodam assim tanto as defesas adversárias. Ontem em Liverpool, por exemplo, apenas por três vezes o Benfica chegou com perigo à área contrária. Na primeira atirou a bola à trave, nas duas seguintes marcou. A eficácia foi quase perfeita. A nível defensivo a equipa está bem, mas não perfeita. O Liverpool, só na primeira parte, teve cinco oportunidades flagrantes, com duas bolas no poste e três falhanços isolados, de Carragher, Luís Garcia e Crouch. Na Liga, a equipa de Koeman está mais ou menos ao nível da de Trapattoni. A manter-se a média actual, o Benfica terminará a prova com 66 pontos, mais um que na época passada. Mas a nível europeu, a prestação encarnada melhorou, até agora. Pelo menos, derrotas claras como aquelas que aconteceram com Anderlecht, Estugarda e CSKA Moscovo parecem fora de contexto, hoje em dia.
Conclusão: o FC Porto, de Co Adriaanse, com uma filosofia de jogo tipicamente holandesa, tem chegado e sobrado (até ver) para ter sucesso na Liga Betadine, mas nos palcos europeus não teve a mínima hipótese; o Benfica, de Ronald Koeman, com um estilo e uma mentalidade de jogo decalcados do italiano (apesar de Koeman não ter tido qualquer experiência em Itália, como jogador ou treinador), tem sentido grandes dificuldades para se manter com ambições na Liga, mas tem progredido paulatinamente na Liga Milionária. Mais uns dois meses e veremos quem leva a melhor, o holandês holandês ou o holandês italiano. Por mim, espero que seja o português espanhol, esse mesmo, Pablo Biento.
5 Comments:
Pois eu acho boa a análise e até coerente com o que vemos em campo, mas acho que o Holandês Holandês, não pelo futebol mais bonito tem cara de Actor Porno Experiente, já o Holandês Italiano, tem ar de que gosta da retranca, mas tem jeito, pelo que daria um optimo actor de Westerns.
Boa análise, Jorge.
Não considerando nenhum dos dois como grande treinador, simpatizo com ambos.
Co trocou os pés pelas mãos com a história dos lenços brancos e mesmo com a soneca/escorregadela do Meireles em Milão, mas continua a parecer-me bom homem.
Koeman não será tão boa peça, mas tem a capacidade de ser frontal e sério, mesmo quando a coisa começa a descambar.
De entre os dois mais facilmente mamaria dois copos de tinto com o Co. Ainda assim, talvez tenha um pouco mais de admiração pelas características pessoais do Koeman.
Em termos técnicos, ambos se prestam à invenção, o que, em si, não é grave.
Grave é que não consigam retirar um rendimento constante dos planteis que dirigem.
Não os imagino por cá durante muito tempo. Nada de novo.
PS: Perdoa-me o eventual lapso, Jorge, mas, salvo erro, 8 pontos ou menos bastaram para passar em 3 dos 8 grupos da liga dos campeões. Não é, pois, pelo menos nesta temporada, uma anormalidade ser apurado com 8 pontitos.
Mais raro será um último classificado acabar com 6 pontos, que foi o que, pelas minhas contas, aconteceu ao Machester United, ressalvando novamente, como dizem os políticos, o facto de que “não tenho os números à frente”.
PS2: Dois adeptos portistas acabam de me informar com um sorriso exuberante que o Benfica calhou com o Barcelona. Obviamente haveriam equipas mais fracas (todas ou quase), mas escapa-me, ainda assim a razão por que aquelas almas azuis não fazem ao menos o esforço de disfarçar estes entusiasmos nada patriotas. Por outro lado, estavam à espera do quê? Do Artmedia?
(A parte do patriotismo era uma piada)
Oh, Porfírio, só me dás é trabalho. Lá tive eu que ir investigar a questão que nos assalta: oito pontinhos chegam para seguir em frente?
Pois bem, peguei em todas as fases de grupos desde que esta fórmula foi implementada (1991/92) até à presente época e concluí o seguinte (considerando sempre 3 pontos por vitória, o que não acontecia nas primeiras épocas):
Em 102 grupos disputados até ao momento, em 28 vezes oito pontos bastaram para o apuramento, o que dá 27,45% das vezes. Este ano isso aconteceu, como disseste, em 3 grupos. Aliás, Werder Bremen e Glasgow Rangers seguiram em frente com apenas sete pontos.
Nos mesmos 102 grupos, por 17 vezes o último classificado somou seis ou mais pontos, isto é, 16,66% do total. Este ano apenas aconteceu com o Manchester United.
Portanto, pelo menos no primeiro caso, a minha teoria confirma-se, pois em mais de 70% dos casos, oito pontos são insuficientes para a qualificação. Mas isso interessa pouco, o lugar final é que conta, como é óbvio.
Como deves entender o meu conhecimento sobre a matéria é micro e como pudeste ver cingi-me ao que se passou este ano. Longe de mim querer fazer ciência. Para isso já cá andam os comentadores todos que perante um qualquer golo não resistem a um boçal "estávamos a adivinhar".
Sissenhoras, muito boa análise. Penso que, para ficar completa, lhe falta - talvez eu esteja ser exigente - uma análise complementar à vocação dos plantéis de cada um dos clubes. Porque me parece que, sobretudo no Benfica, a utilização do esquema não tem a ver apenas com a herança trapattónica, mas principalemnte com as características e vocação dos jogadores - o Benfica não tem um único goleador (Simão tem sido uma espécie de abono de família). Ora, quando os jogadores não têm características de futebol predominantemente atacante, é complicado aplicar-se um esquema em que predomine a posse de bola e a carga sobre o adversário numa zona avançada do terreno. Já os jjogadores de ataque do FC Porto têm, claramente, uma vocação para atacar a baliza - de Lucho, inclusive, para a frente, todos eles são meninos para ter a rede na mira, ao contrário da atitude mais passiva dos benfiquistas.
Nota ainda para o comentário do Porfírio, que em nada mancha a análise do post original.
Que pena eu só ter conhecido este blog hoje...
Enviar um comentário
<< Home