28 agosto, 2006

Subsídios para o caso Mateus

Até agora mantive-me em blackout sobre o caso Mateus, aqui no Malta da Tropa. Aliás julgo que os meus companheiros também, mas não tenho a certeza e reconheço que neste momento me falta paciência para procurar nos nossos arquivos. Se estou errado peço desculpa. Resumindo já a questão, a minha opinião é a seguinte: a Liga Betadine (este ano resumida a Liga Bine) devia ser disputada por 15 clubes.

A maioria das opiniões afirmam que o Gil Vicente desrespeitou as regras do futebol profissional português, ao recorrer aos tribunais comuns neste caso. A lei diz que esse recurso é proibido quando se trata de questões técnico-desportivas. O Gil alega que a sua é uma questão laboral. Há quem diga que não, porque os galos podiam contratar o jogador, desde que não o colocassem a jogar. Ora bem, se não for para jogar, qual o interesse de um clube contratar um jogador? Que eu saiba no futebol ainda não há “jogadores de testes”, fazendo um paralelo com os pilotos de testes da Fórmula 1. Ou seja, o Mateus estava proibido de exercer a sua profissão, que é jogar à bola, e isso, no meu ponto de vista, é uma questão laboral. Mas admitindo que o Gil cometeu uma infracção, aceita-se a descida.

Quem deve beneficiar com isso? A meu ver, ninguém. O Belenenses desceu de divisão, o Leixões não conseguiu subir. Podem achar injusto terem descido quatro equipas ou terem subido apenas duas, mas a verdade é que as regras estavam definidas à partida. Se os dois clubes não alcançaram os seus objectivos foi por pura incompetência própria. Além disso, a lei não é clara. Ela diz que quando um clube não cumpre os requisitos para participar num determinado escalão, deve ser substituído pelo clube melhor classificado dos despromovidos. Não é este o caso, claramente. O Gil cumpre os requisitos para disputar a I Liga, se descer é por castigo disciplinar. Ora aqui a lei é omissa.

Recordando o que aconteceu na época passada na II Divisão, alguns clubes acabaram por não poder participar na prova, já depois de realizados os sorteios. E o que aconteceu? Foram repescados clubes que tinham descido de escalão ou que tinham falhado a subida por pouco? Não. Simplesmente prosseguiu-se a prova com o número de clubes aptos para tal. Nalgumas séries havia inclusivamente dois clubes a folgar por semana. Penso que seria este o melhor caminho a percorrer para esta edição da Liga. Serviria igualmente de exemplo para todos: para os clubes prevaricadores, para os que esperam por erros alheios para ganharem na secretaria o que não conseguiram no campo e para as entidades que gerem o futebol português, para fazerem leis e regras claras para todos, que permitam resolver estes casos em tempo aceitável.

Novo caso Bosman?

Mas há outra questão, se calhar ainda mais importante. Este caso pode transformar-se num novo caso Bosman. Como disse ontem Marcelo Rebelo de Sousa na RTP, a FIFA não é nenhum órgão de soberania, mas sim uma multinacional que gere o negócio do futebol a nível mundial. E tem-se habituado a viver num mundo à parte, com regras próprias e por ela definidas sem qualquer pudor.

A lei fundamental de Portugal e de todos os países civilizados prevê que os cidadãos, individuais ou colectivos, possam recorrer aos tribunais comuns quando se sintam lesados. As regras da FIFA vão contra este princípio. Se o Gil Vicente, ou outro clube qualquer, levar este caso aos tribunais europeus, tenho a certeza absoluta de que a FIFA vai voltar a sair com o rabinho entre as pernas, como aconteceu com o caso do até então obscuro Bosman. E como, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer na questão das selecções nacionais, que usam e abusam dos jogadores quando e onde querem, ficando os clubes sempre a arder, quando investem milhões nos atletas.

5 Comments:

At 9:50 da manhã, Anonymous Anónimo said...

1. Ora cá temos o nosso futebol com uma batata quente e grande nas patas, pronta a rebentar nas fuças de alguém!
Do ponto de vista da norma estritamente “desportiva”, a razão poderá eventualmente assistir aos Belenenses, mas como – ao que sei – continua a existir mais vida e mais lei para lá da barba do Sôr Major, impõe-se dar ao caso uma análise mais funda.... e essa (análise), se séria for, apenas poderá conduzir à conclusão de que o acesso aos tribunais, por gajos ou entidades, não constitui, propriamente, um direito lá muito renunciável. Digo eu.
Não tenho dúvidas que o assunto começa a ganhar contornos de caso prático de Direito Comunitário, justificando-se a sua subida ao Tribunal Europeu.
Nessa sede, tal como aponta o Jorge, seria muito provável que a FIFA visse o seu feudo jurisdicional novamente reduzido.
Nada que não devesse já ter ocorrido.

2. Toda e qualquer instituição de longa data (seja ela um partido, uma colectividade desportiva, a Igreja Católica ou mesmo um bordel dos mais asseados) tem na sua história épocas ou simples episódios menos dignos. Não conheço excepções.
É por essas páginas mais badalhocas da história da instituição que a postura da actual Direcção dos Belenenses se deve arrumar. Não é digno querer escrever pela via estritamente burocrática aquilo que na penúltima jornada se recusou tentar escrever, em casa, frente à Académica. É pequenino.

 
At 2:39 da tarde, Blogger Tiago Gonçalves said...

É a tal questão da FIFA não poder estar acima dos Estados. Algum dia alguém vai ter de se revoltar e ai se repetirá o caso Bosman. Portugal pode ser um país pequeno, mas se um caso que envolveu um insignificante clube belga mudou radicalmente o futebol ...

 
At 12:29 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Diga lá se a Liga Betadine não foi uma invenção de moi?

 
At 12:31 da manhã, Blogger Rantas said...

Estou convencido que a possibilidade de recurso aos tribunais civis para resolver assuntos do foro desportivo pode criar diversas dificuldades ao próprio futebol e não só à FIFA. Os prazos do futebol não se compadecem com adiamentos legais, com subterfúgios jurídicos nem com recursos a altas instâncias.

Ainda assim, o caso Mateus refere-se a uma situação um pouco diferente. Ainda entendo que um profissional não possa passar a amador de um momento para o outro, mas o inverso já não me parece que seja tão perigoso que justifique o actual enquadramento legal.

O caso acabou por ficar tão embrulhado que já não vejo outra solução que não fosse a irradiação do Gil. A solução proposta neste post - a Liga a quinze - é salomónica e, penso, é a que traria melhores resultados a médio prazo para o futebol português.

Excelente post!

 
At 11:18 da manhã, Blogger José Cavra said...

Jorge, uma vez mais fizeste uma posta fantástico.
Grande análise.
Em jeito de curiosidade, no meu local de trabalho a malta tb fala sobre bola e chegámos à conclusão que o ideal seria a SL deste ano realizar-se com apenas 15 clubes.
O Benfica já folgou..agora q folguem os outros.
O Belenenses por tudo o q (não) mostrou na época passada não merece continuar entre os grandes.

 

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