19 janeiro, 2006

O fenómeno Jorge Leitão

Tenho para mim que os portugueses são dos povos mais chauvinistas que existe. OK, eu sei que passamos a vida a falar mal de nós próprios e, infelizmente, quase sempre com toda a razão. Mas temos outras características que roçam o chauvinismo. Por exemplo, ficamos muito indignados quando um estrangeiro nos critica, mesmo que saibamos que ele está certo naquilo que diz. Foi o recente caso das declarações do russo do Benfica, Karyaka (ou da mulher dele, ou do jornalista, ou do cão, o que é certo é que alguém “arrasou” Portugal). Nós sabemos que Portugal é um país atrasado, que Lisboa (e muitas outras cidades) não têm sítios suficientes para as crianças brincarem à vontade, etc. Mas o que é certo é que não gostamos de o ouvir da boca dos outros. Foi também o caso, mais antigo, de um responsável da UEFA, que, antes do Euro2004, veio dizer, não me recordo a propósito do quê, que em Portugal se encontra sempre alguém disposto a se deixar corromper. A reacção de Madaíl e afins foi violenta. Nós sabemos que Portugal é dos países mais corruptos da Europa, mas odiamos ouvi-lo por parte de estrangeiros.

Há outro aspecto em que esse chauvinismo se demonstra, no que ao futebol diz respeito. Confesso que nunca percebi a enorme importância que os jornalistas e os jornais desportivos dão a todo e qualquer jogador português que jogue num campeonato estrangeiro. No Verão de 2000, estava eu a iniciar a minha carreira de jornaleiro desportivo quando se começou a ouvir falar de um tal de Jorge Leitão, ponta-de-lança português que começou a marcar uns golos ao serviço do Walsall. “What the f*** is that?”, veio-me imediatamente à cabeça. Pois bem, informei-me um pouco e descobri que o Walsall era um clube inglês, que jogava quase sempre na III Divisão daquele país, com uma ou outra passagem pela II Divisão. E Jorge Leitão, soube-o depois, tinha-se transferido para aquele clube do Feirense, clube no fundo semelhante ao Walsall (se bem que, pelo menos, ainda tenha passado 2 ou 3 vezes pela nossa I Divisão).

Jorge Leitão nunca tinha merecido muitas linhas nos nossos jornais desportivos (eu devorava-os a todos e nunca tinha ouvido falar na figura). Mas a partir do momento em que aterrou em Inglaterra (confesso que ainda hoje não sei em que parte do país fica Walsall), passou a merecer referências semanais na nossa imprensa. O “Walsall de Jorge Leitão” passou a ser um clube de referência. No passado mês de Dezembro, o avançado terminou a sua carreira naquele clube, com números na verdade nada impressionantes para um ponta-de-lança: 71 golos em 258 jogos (média de 0,27 golos por jogo). Jorge Leitão ingressou no Beira-Mar, líder da Liga de Honra. E estreou-se no passado fim-de-semana, marcando o primeiro golo na vitória por 2-1 sobre o Santa Clara. Mas a sua chama apagou-se e a imprensa já não quer saber dele. Já não é emigrante.

Jorge Leitão apagou-se, mas muitos novos vultos do futebol português se acendem. Basta irem jogar para o estrangeiro, não importa em que clube nem em que campeonato. Assim podemos deliciar-nos com as aventuras de Tiago Rodrigues (ex-Infesta), Vítor Santos (ex-Académico de Viseu) e Pedro Moutinho (ex-Penafiel) no Falkirk, esse colosso que ocupa um honroso antepenúltimo lugar na emocionante liga escocesa. Ou com as proezas de Kenedy, Ricardo Fernandes, João Paiva, Hélio Pinto e Zé Nando, espalhados por vários clubes no palpitante campeonato cipriota. E muitos outros ficam por citar e a esses apresento as minhas desculpas. Mas não se preocupem, para os nossos jornais desportivos vocês são emigrantes de sucesso e merecem o espaço que ocupam.

Deixando as ironias de lado por um pouco, acho incompreensível esta atitude da nossa imprensa desportiva. Imaginemos outro tipo de imprensa e outro tipo de emigrantes. Se um português fosse nomeado presidente ou vice-presidente da Mercedes seria certamente motivo de notícia em qualquer jornal. Mas acham que se um português fosse trabalhar para a linha de montagem da mesma Mercedes deveria ter direito a uma linha que fosse? Segundo a mentalidade dos nossos jornais desportivos, com certeza! Eu acompanho com interesse a carreira dos jogadores portugueses em grandes campeonatos e grandes clubes. Também acharia natural que se Luís Figo fosse jogar para a Moldávia merecesse acompanhamento jornalístico, pelo nome e carreira que tem. Ou ao invés, se um desconhecido for jogar para um grande clube, também merece atenção, como aconteceu há uns anos quando Boa Morte trocou o Lourinhanense pelo Arsenal. Agora um jogador desconhecido num clube ou campeonato desconhecido também merece relevo? For God’s sake! Imaginem quantas páginas não teriam os jornais desportivos brasileiros, se eles optassem por esse caminho.

Outro foco de chauvinismo surge nos frequentes exageros com que são tratadas as prestações dos nossos jogadores mais famosos no estrangeiro. Veja-se por exemplo o que escreveu o director do Maisfutebol, Luís Sobral, sobre Rui Costa, depois de este ter marcado dois golos em Brescia (equipa da Serie B) na segunda mão de uma eliminatória da Taça de Itália que já estava praticamente decidida desde a primeira mão: “Rui Costa marcou por duas vezes e ofereceu outros dois golos, na vitória do Milan para a Taça. Isto depois de já ter dado recentes sinais de estar a readquirir importância na equipa italiana. É sempre agradável ter coisas boas para escrever sobre um jogador que merece tudo e que não devemos esquecer. Até porque os italianos, pelos vistos, não o fazem.” Rui Costa é claramente o menino bonito dos jornalistas (e dos benfiquistas, obviamente), entre todos os que jogam no estrangeiro. Aliás, a penúltima frase do Luís Sobral diz tudo. Já a última merece um comentariozinho: os jornalistas italianos esquecem-se por vezes de Rui Costa como os portugueses se esquecem de Karagounis, Ibson ou o agora emprestado Pinilla; porque não são elementos essenciais nas respectivas equipas! Encaremos os factos: Rui Costa foi uma grande figura de uma equipa de segundo plano, um Vitória de Guimarães ou um Sporting de Braga de Itália, como é a Fiorentina; depois nunca se impôs como titular absoluto num colosso, caso do AC Milan. Rui Costa tem variado entre duas funções: ora é suplente de Kaká, ora é titular quando Ancellotti coloca o brasileiro a descansar, normalmente em jogos mais fáceis, como o de ontem frente ao Ascoli. Nesse aspecto Luís Figo está bem à frente, sendo ou tendo sido titular em três gigantes europeus, Barcelona, Real Madrid e Inter. E eu nem simpatizo pessoalmente com ele, Rui Costa até é provavelmente melhor pessoa. Mas o que conta para mim, como adepto, é o que fazem no campo.

7 Comments:

At 10:49 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Como beiramarista que sou espero que se comece a falar do Jorge Leitao outra vez como sendo o maior goleador de Portugal. Desejo felicidades à equipa e ao jogador!!

UAN sempre !!!

 
At 9:41 da manhã, Blogger melga mike said...

Eu tenho mede é do cataxana...

 
At 12:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

É interessante verificar as deturpações resultantes do provinciano hábito de acharmos que o Milão é sempre de Rui Costa e que o Real só não é já de Luís Figo porque um incauto treinador brasileiro (é aqui que a xenofobia começa a fervilhar!) cometeu uma tremenda injustiça que deus, atento, se encarregou de sancionar mandando-o de volta lá prá terrinha dele.

Se o Karyaka disse o que parece ter dito sobre Lisboa, tinha toda a razão consigo. Lisboa é quase sempre uma bela merda de cidade para se morar.

 
At 9:01 da tarde, Blogger José Cavra said...

Nunca fui muito com a cara do Manuel Rui Costa. Sempre o achei um falso! um traidor!

 
At 11:16 da tarde, Blogger Rantas said...

Bom post!

 
At 11:56 da manhã, Blogger José Cavra said...

Man... o Rantamplan!!! Que seriedade!!! curto bués esse Kane.

 
At 11:28 da tarde, Anonymous Anónimo said...

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