Verdades à força
É um lugar comum dizer-se que uma mentira muitas vezes repetida acaba por tornar-se numa verdade. É um lugar comum, mas é, igualmente, uma realidade. E no futebol português, esse mundo tão cheio de especificidades, esse cliché ajusta-se que nem uma luva (por falar em clichés...).
No ano passado tivemos pelo menos duas enormes mentiras que, com a repetição, tanto da parte dos envolvidos, como da indescritível comunicação social desportiva que temos, se tornaram em verdades absolutas junto da comunidade futeboleira nacional. Uma dizia que o Benfica de Trapattoni tinha chegado ao título devido à sua grande consistência defensiva. Como é possível, num campeonato como o nosso, o campeão sofrer 31 golos, uma média de quase um por jogo, e falar-se em consistência defensiva? Então o que se pode dizer do FC Porto este ano, que sofreu metade dos golos (16)? A outra grande peta referia que o Sporting de José Peseiro era uma equipa de grande pendor ofensivo. Como se pode dizer isso de uma equipa que ficou em branco em 11 dos 34 jogos do campeonato, isto é, num terço dos encontros realizados? Em 72 anos de I Divisão, só uma vez o Sporting ficou mais jogos sem marcar golos num campeonato. Foi em 1988/89, a tal época de Jorge Gonçalves e da crise que parecia insolúvel, em que o Sporting ficou em branco em 13 jogos, mas num campeonato de 38 jornadas. Eis como duas tangas com T grande se tornaram em dogmas assumidos por quase todos, desde o comum e quase analfabeto “índio” da bancada até ao supostamente bem informado e esclarecido jornalista.
Esta época surgiu outro mito do mesmo género. Ronald Koeman referiu várias vezes que o Benfica ficou afastado do título devido aos pontos perdidos em casa. Hoje mesmo, alguns dos brasileiros do plantel (Moretto, Anderson, Manduca), no aeroporto, antes de partirem de férias, mencionaram o mesmo facto. Resolvi consultar a classificação da Liga Betadine para conferir se esta “verdade” é mesmo verdadeira. Na realidade, o Benfica somou 37 pontos em casa, menos um que o Sporting e menos cinco que o FC Porto. OK, terão razão os profissionais benfiquistas. Mas olhando para as prestações fora de casa concluímos que as diferenças foram ainda maiores. O Benfica fez 30 pontos fora de portas, menos quatro que o Sporting e menos sete que o FC Porto. Ou seja, se por acaso as três equipas tivessem feito os mesmos pontos nos jogos em casa, a classificação final seria sempre a mesma. O que motiva as pessoas a chegarem a determinadas conclusões e a persistirem nelas, mesmo sendo visivelmente falsas? E como se explica que essas conclusões sejam depois assumidas pelos outros, sem que estes se preocupem em verificá-las, o que, na maioria dos casos, até é bastante simples? Mistérios do pé na bola luso.
9 Comments:
Excelente post!
Ah, e aquela do "Sá Pinto tem garra" também se aplica neste caso de "verdade à força"...
Bons exemplos da forma como a comunicação social pode moldar as opiniões dos adeptos.
Concordo em pleno com o colega Jorge! Realmente a comunicação social tuga deixa muito a desejar, especialmente no que toca ao desporto!...
Amanhã, no nosso blog, a análise à época europeia: UEFA e Champions Legue. ;)
Excelente
Completamente de acordo... Sem dúvida! Então a do Sporting debatia várias vezes com amigos rivais sportinguistas... Mas não era fácil convencê-los!
Caro Rika, a tua dificuldade deveu-se à clássica falta de inteligência do adepto lagarto.
Caro anonymous, obrigado por participar. Eu sou adepto lagarto e se mesmo com a minha clássica falta de inteligência você dignou-se a ler o meu texto, só lhe posso agradecer a deferência. Bem haja.
hmmm, boa análise! De facto esses "dogmas" instalam-se facilmente nas mentes portuguesas e nunca ng confirma!
Importa não esquecer que a luta do Benfica pelo título terminou muito antes da 34ª jornada. Como adepto benfiquista, tirei os cavalinhos da chuva com aquele molhado jogo de Guimarães.A partir desse momento, só um milagre nos conduziria ao título.
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